Mesmo que alguns setores venham mostrando bom desempenho, queda da renda, do emprego e a expectativa de recuperação da economia mundial podem deixar cenário ainda mais desafiador
Em abril, o Comitê de Avaliação de Conjuntura da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) reuniu-se, por videoconferência, para avaliar o cenário durante a epidemia do novo coronavírus e as perspectivas pós-pandemia.
A partir dos diversos depoimentos realizados, percebe-se que no agronegócio, o panorama geral atual é favorável, com excelente safra de grãos e proteínas e aumentos da produtividade. O mercado interno está abastecido, com preços estabilizados e as exportações continuam crescendo.
Contudo, existem problemas nos segmentos de algodão, flores, hortifruti e especialmente etanol. As perspectivas pós-pandemia são mais incertas, em decorrência da queda da renda e do emprego, enquanto a situação do mercado externo depende da recuperação da economia mundial.
Com relação à indústria, seus diversos segmentos foram afetados de forma diferente, com crescimento de alguns considerados essenciais no período da pandemia, tais como a farmacêutica, química, que oferta artigos de higiene e limpeza, e alimentícia, beneficiados pelas vendas de supermercados e pelas exportações, embalagens, impulsionadas pela elevação dos serviços de delivery e mineração.
Por outro lado, há queda drástica na fabricação de bens duráveis, como veículos e eletroeletrônicos, e semiduráveis, como calçados e têxteis e de capital, devido à falta de crédito, à necessidade de liquidez das empresas, à contração das demandas interna e externa, à forte queda da confiança dos empresários e à escassez de insumos importados.
A perspectiva para os próximos meses é de recuperação lenta do setor, por conta da abertura gradual do comércio e da queda da atividade econômica mundial.
Dados preliminares da Cielo mostram forte queda nas vendas do varejo, principalmente no setor de confecções, por conta do fechamento das lojas físicas. Existe a expectativa de elevação gradual das vendas no período pós-pandemia, em linha com a descapitalização das famílias. No caso dos pequenos varejistas, teme-se que, apesar das medidas de auxílio governamental, não sejam capazes de voltar ao mercado.
O modelo estatístico desenvolvido pelo Instituto de Economia Gastão Vidigal (IEGV) projeta queda de 1,6% no varejo nos últimos 12 meses terminados em março. À diferença do varejo físico, o comércio eletrônico mostrou acentuado crescimento nas últimas semanas, pois a quarentena alavancou as compras on-line, notadamente de artigos de saúde, alimentos e bebidas. A tendência futura é de continuidade de expansão das vendas eletrônicas, principalmente por possíveis mudanças de hábito dos consumidores, elevando a participação do setor no varejo total.
Outro ramo que mostrou crescimento a partir da decretação da quarentena foi o supermercadista, embora tenha sofrido redução da margem de lucro, em decorrência do aumento de custos devido à contratação de temporários, adequação das lojas e maiores despesas relacionadas à segurança e limpeza.
O cenário futuro deverá ser de continuidade da expansão das vendas, porém concentradas em produtos essenciais, atendendo à redução da renda e do emprego.
O setor de seguros também apresenta trajetória relativamente benigna, com empresas muito capitalizadas, com nível alto de reservas e financeiramente saudáveis. Os resultados têm sido positivos por conta do menor nível de sinistros. Estima-se que o coronavírus terá impactos positivos a futuro, por conta da maior insegurança provocada nas famílias.
Por sua vez, o comércio de materiais de construção apresentou intensa contração, tendo como causas o Carnaval e a pandemia, que paralisou as vendas de imóveis, embora a construção civil tenha dado continuidade à produção.
Uma análise mais detalhada revela impactos diferenciados em termos de direção e intensidade, tanto em termos setoriais, como intersetoriais – embora a expectativa seja de impacto negativo da pandemia no produto interno bruto (PIB) durante o primeiro trimestre, estimada pelo IEGV em 2,5%, em relação ao trimestre anterior, livre de efeitos sazonais, e ainda maior a partir do segundo trimestre.
Análise da Conjuntura
1. Síntese da conjuntura econômica
- Atividade econômica começou o ano ainda mostrando recuperação lenta, para depois sofrer o forte impacto da pandemia e do isolamento social. A perspectiva aponta para queda expressiva, que poderá estar concentrada no segundo trimestre.
- Pandemia exerce impacto deflacionário no IPCA, que deve terminar o ano abaixo do limite inferior da meta perseguida pelo Banco Central, abrindo possibilidade para novos cortes da SELIC e medidas de estímulo monetário, tais como a compra de títulos públicos e privados por parte da autoridade monetária.
- Resultados fiscais mostraram piora em março, embora ainda reflitam os primeiros efeitos do Covid-19. Perspectiva de intensificação da deterioração das contas públicas nos próximos meses, em decorrência de quedas na arrecadação e maiores gastos públicos para fazer frente aos impactos econômicos do coronavírus.
- Contas externas ainda seguem solventes, podendo ser afetadas positivamente pelas maiores cotações do dólar, embora as entradas de capitais estrangeiros possam sofrer impacto da maior incerteza no mercado internacional devido à pandemia.
- IPCA de abril foi deflacionário, devido à queda do preço dos combustíveis, ficando, em termos anuais, abaixo do limite inferior da meta anual.
- Em maio, Banco Central reduziu SELIC para o menor nível histórico, dando estímulo monetário para compensar o impacto econômico da covid-19.
- Crédito à pessoa física desacelerou levemente em março, no comparativo anual, com diminuição da taxa de juros e leve aumento na inadimplência, refletindo os primeiros efeitos da pandemia.
3. Atividade econômica e emprego
- Em março, desemprego diminuiu em relação ao ano passado, com estabilidade da renda total (massa de rendimentos) e da ocupação.
- Indústria mostrou leve recuo anual, em fevereiro, refletindo, além da baixa demanda interna e externa, a falta de componentes importados da China.
- Vendas do varejo cresceram anualmente acima do esperado, no mesmo mês, com recuperação dos supermercados, impulsionadas pela maior disponibilidade de crédito e aumento da massa de rendimentos.Em fevereiro, serviços apresentaram alta anual abaixo do esperado, impulsionada pela recuperação da massa de rendimentos, destacando-se serviços prestados às famílias e outros serviços.
- Seguindo as trajetórias do varejo, dos serviços e da indústria, Indicador de atividade do Banco Central (IBC-BR) seguiu exibindo fraca expansão, mesmo antes de sentir os efeitos do isolamento social.
- Governo consolidado (União, Estados, Municípios e empresas estatais) apresentou, em março, o maior déficit fiscal primário (excesso de despesas não financeiras sobre receitas) registrado nos últimos dois anos.
- Principais causas dessa piora foram o aumento do saldo negativo do governo central (Tesouro Nacional + INSS + Banco Central) e o déficit de estados e municípios, explicados pelas compensações tributárias do governo federal
e pelos primeiros impactos do coronavírus. - Despesas financeiras aumentaram em relação a 2019, em decorrência das perdas do Banco Central com operações de swap cambial, parcialmente compensadas pelos menores níveis de SELIC e IPCA.
- Resultado nominal (resultado primário + despesas financeiras) observado em março foi negativo (déficit), o maior desde 2001.
- Maior déficit nominal provocou elevação da necessidade de financiamento, aumentando grau de endividamento do setor público, cada vez mais alto para os padrões de um país emergente.
- Aumento do superávit da balança comercial (excesso de exportações sobre importações de mercadorias), em abril, devido fundamentalmente à elevada competitividade dos produtos primários brasileiros.
- Queda da remessa de lucros e dividendos, causada pela pandemia foi o principal responsável pelo superávit em conta corrente (excesso de exportações sobre importações de bens e serviços), durante o mês de março.
- Entrada de capitais financeiros de longo prazo (Investimento Direto no País – IDP), no terceiro mês do ano, foi bastante superior à observada no ano anterior.
- Contas externas continuam apresentando solvência, com entradas de capitais de longo prazo mais do que suficientes para cobrir as necessidades de financiamento externo.